A técnica de construção da barragem na cidade mineira é considerada obsoleta e tecnologicamente inadequada, além de ser proibida em vários países do mundo, segundo Delma Vidal, professora do ITA
Especialista em geotecnia, ambientalista e professora do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em São José dos Campos, Delma Vidal é dura ao descrever a tragédia de Brumadinho (MG): “Crime. Não tem outro nome”.
Até agora, mais de 84 pessoas morreram após o rompimento de uma barragem da mineradora Vale. O número de vítimas deve aumentar “significativamente”, segundo os bombeiros.
Para Delma, “colocar o setor administrativo e refeitório [da Vale] numa área de risco como essa” é aceitar a possibilidade de matar estas pessoas. E ela se ampara em questões técnicas: a forma de construir a barragem que cedeu é considerada inadequada e proibida em quase todo mundo, mas ainda não foi proibida no Brasil.
“É um tipo de construção chamado ‘barramento a montante’, quando se sobe a barragem em cima do próprio rejeito. É a forma mais barata de fazer, e a mais arriscada. É proibida em quase todo o mundo há anos”, diz Delma.
Nessa entrevista exclusiva, Delma fala sobre Brumadinho, os problemas em Minas e cobra ações para evitar outras tragédias.
Tivemos Mariana há três anos e agora Brumadinho. O país não aprendeu?
Isso ocorre no Brasil porque o controle sobre barragens de rejeito é falho: tanto em termos do monitoramento quanto dos planos emergenciais. A barragem de Paraibuna, por exemplo, não tem nada a ver com esse problema. As de rejeito são construídas sobre a lama, com pouco controle do processo de construção e ainda acabam sendo alteadas demais. Barragem tem que ter manutenção constante. A de Paraibuna é muito mais segura.
Como avalia Brumadinho?
É um crime assustador. Escuto falar do risco de Brumadinho há mais de 10 anos. Ela é muito alta e são estruturas que precisavam de plano de contingência, um procedimento estudado de como reter a lama, de quem seria atingido [em caso de rompimento], cuidado na construção de moradias. O que é muito assustador é que se passaram três anos [de Mariana] e esperei ações para bloquear lama, e não aconteceu. Agora pelo jeito não tinha planejamento de nada.
Não há controle?
É praticamente um assassinato, não tem outro nome. Colocar pessoas numa área de risco como essa. Nesse tipo de obra tem zona de risco maior e essa faixa tem que ser muito bem detalhada. Tem que ter mapeamento com clareza de para onde a lama vai, com sistema de alerta e aviso, mas nada funcionou.
Faltam equipamentos?
Temos conhecimento, especialistas, e não há desculpa para não ter os equipamentos necessários, mas não há discussão aberta sobre essas barragens. Aparentemente os especialistas não são chamados nas emergências. Não há um plano. E tem um monte de barragens com esse risco em Minas.
Não há punição?
Não temos nem instrumentos severos de punição, nem os que existem parecem funcionar. As multas de Mariana não foram pagas.
Quem falhou?
Tem que haver licenciamento continuado e vistoria continuada. Fico impressionada que em Minas não há, pelo que percebo, controle por parte do Estado sobre as ações das mineradoras. O risco de falha é inerente ao processo de construção. Tem que ter plano para diminuir os danos, enquanto estas áreas não são recuperadas. Não fazem o dever de casa. Mas, sem dúvida, os maiores culpados são as empresas.
O que explica a tragédia?
Conhecendo os riscos há tantos anos e aparentemente sem plano de contingência e nem teve aviso, com tanto instrumento para isso. A ganância é assustadora. Não dá para pensar que os responsáveis não tinham noção do risco.
Novas tragédias podem ocorrer se nada for feito?
Minas e outras áreas de mineração no país precisam de um estudo cuidadoso, com muita urgência. Monitoramento contínuo do risco realizado por órgão independente e ter planos de contingência estabelecidos por especialistas multidisciplinares e de comum acordo com a Defesa Civil, para ações concretas caso aconteça a falha. Temos conhecimento e análises eficientes, sistemas de monitoramento. O Brasil tem tecnologia para fazer tudo certinho, não dá para entender.